Renato Ribeiro
Em meus 22 anos de atividades filatélicas vi em exposições, examinei e estudei quase todas as cartas com Olhos de Boi conhecidas. Tenho imagem e descrição de 178 cartas inteiras e definitivamente autênticas com os selos Olhos de Boi além de três em minha coleção de marcas precursoras brasileiras.
A quantidade de cartas de Olhos de Boi existentes não deve passar muito deste número podendo chegar a duzentas e poucas em todo o mundo. Este número comparado à quantidade de selos emitidos é reduzidíssimo e a raridade destas cartas tem algumas explicações. Circularam no Brasil principalmente na Corte do Rio de Janeiro, alguns poucos milhares de cartas com Olhos de Boi no período de 1843 a 1854, data final esta estimada por ser o ano de conhecimento do carimbo mais recente de Olho de Boi encontrado – Cuiabá. A quase totalidade das cartas circulou dentro do próprio país e como a nossa cultura nunca teve o hábito da preservação não era também hábito nosso o arquivo de correspondências recebidas. Em termos comparativos posso citar que na França, como exemplo, as cartas do terceiro quartel do século XIX (1850/1975) são bastante comuns sendo encontradas nos comerciantes internacionais em grandes quantidades – já vi comerciantes com 3.000 de uma só vez. Devo salientar que em compensação a História Postal Francesa é bem mais complexa que a nossa e esta vastidão de material ajuda em sua conclusão. Além da falta do hábito de preservação não existia também o hábito e a capacidade de escrever entre os habitantes brasileiros deste período. Isso justifica a reduzida quantidade de cartas com os selos Olhos de Boi.
Bem, o real objetivo deste artigo é falar das cartas existentes e conhecidas tirando delas algumas conclusões gerais para o estudo da História Postal Brasileira. O porte simples de uma carta circulada no território brasileiro era de 60rs. por terra e 120rs. por mar. Os portes possíveis nas cartas de Olhos de Boi são então os seguintes: 60, 90, 120, 150, 180, 210, 240, 270, 300... e assim variando de 30 em 30rs. Obviamente a grande maioria de cartas é com o porte simples formado por um selo isolado de 60rs. Curiosamente no segundo porte terrestre em 90rs. temos o conhecimento de apenas três cartas, uma delas não muito convincente. Recentemente vi aqui no Rio de Janeiro uma carta com 90rs. isolado até então desconhecida, sem dúvida autêntica. O maior porte conhecido com selos Olhos de Boi em carta completa é de 270rs. circulada com 4 selos 60rs. e um 30rs. do Rio de Janeiro para Porto Alegre, teoricamente o 8º porte terrestre com (16 a 18 oitavas de peso). Tenho a imagem de uma “carta” com porte de 300rs. em Olhos de Boi, no entanto como a mesma se encontra subposta a uma outra em um catálogo de leilão não posso garantir que se trate de uma carta completa. Uma das cartas mais importantes de Olho de Boi e sem dúvida da filatelia brasileira é a carta com 240rs. composta por um 30Rs, um par do 60rs e um 90rs. sendo esta a única carta conhecida com os três valores da emissão. Esta carta pertence ao filatelista Rolf Harald Meyer de São Paulo, editor do Catálogo de selos do Brasil.
Carimbos – Com relação aos carimbos, já mencionei que a maioria das cartas circulou saindo da Corte do Rio de Janeiro sendo então, o carimbo “Correio Geral da Corte” o mais conhecido. “Diamantina”, “Sabará”, “Correio da Bahia”, “Correio de Santos”, “São João Del Rey”, “Pernambuco”, “Porto Alegre” e “Cidade de Campos” também aparecem em mais de seis cartas. Um pouco mais raras temos: “Villa de Lorena”, “Correio do Maranhão”, “C. do Serro” e “Correio de Campinas” com 4 ou 5 aparições. Para marcas com uma ou duas aparições podemos citar “Piracatu”, “Correio Geral de Cuiabá”, “Correio Geral das Alagoas”, “Grampará”, “P. Alegre” (MG), “V. de Formigas”, “Bragansa”, “Correio Geral de Goiás”, “Villa de Lavras” e “Airuoca” (MG) dentre outras. Não podemos deixar de citar as cartas com obliterações manuscritas “Arrozal” e “Ilha de Marajó” únicas até este momento.
Correio Geral da Corte – Sobre o carimbo “Correio Geral da Corte” temos uma observação interessante a fazer. O carimbo existe em dois tipos: com cercadura externa e sem cercadura, este último vindo da época precursora e usado somente nos primeiros anos do advento do Olho de Boi. Curiosamente, de todas as cartas conhecidas com o obliterador datador “Correio Geral da Corte” apenas sete o possuem sem cercadura e as demais oitenta e sete com o carimbo de cercadura. Esta proporção se torna bem mais equilibrada entre os selos e múltiplos avulsos analisados.
Cartas ao exterior – Cartas com Olhos de Boi destinadas ao exterior são muito mais escassas, conhecemos apenas 3 definitivamente autênticas. A quase totalidade das cartas destinadas ao exterior saiam da Corte e por força de acordos postais internacionais não pagavam porte na remessa não levando portanto selo postal. A possibilidade do uso do Olho de Boi em cartas destinadas ao exterior só é possível se a mesma vinha do interior, ou seja, de uma cidade que não porto direto de saída. Assim sendo ela deveria pagar o porte terrestre ou até mesmo marítimo para circular internamente no Brasil do remetente ao Porto que a levaria ao Exterior.
Nosso objetivo aqui não é citar todas as cartas e carimbos conhecidos, apenas dar uma visão geral do conjunto de cartas estudadas até o momento. Alguns carimbos sobre cartas com Olhos de Boi e combinações me foram citados, mas como nunca os pude ver não estão aqui mencionados. Teoricamente os carimbos conhecidos na Pré-filatelia brasileira pelos idos de 1838 a 1843 deveriam aparecer sobre cartas ou mesmo sobre selos. Alguns carimbos conhecidos sobre os selos garantem também a possibilidade do surgimento de cartas com marcas até então desconhecidas.
Aqui fica um pedido aos leitores interessados pelo assunto que divulguem o conhecimento de marcas, portes e combinações não citadas aqui para que, nós mesmos, tenhamos um conhecimento e entendimento mais completo desta fascinante, complexa e ainda inexplorada área da filatelia brasileira.